Volveréis

 


O último filme de Jonas Trueba, "Volveréis" ( "The other way around") é um belo filme inspirado nas comédias de recasamento de Hollywood de que nos falou Stanley Cavell. Ale e Alex decidiram separar-se e tiveram a ideia louca de pôr em prática uma coisa de que o pai de Ale costumava falar: fazer uma festa de separação. Decidem convidar os amigos e a família para a festa, assegurando que eles estão bem e explicando, vezes sem conta, que a festa será como uma festa de casamento, mas ao contrário, lembrando os paradoxos do sentido de "Alice no País das Maravilhas" (especialmente a festa de desaniversário). O filme desenha os trajectos sinuosos da busca pelo sentido deste paradoxo. É um filme que filosofa com os meios do cinema. Volver, voltar, dar a volta, voltar a ver de outro modo, são formas de repetição particulares : re-prises. É um filme cheio de pequeninas ideias cinematográficas, modos de dar forma a questões existenciais. Trueba homenageia os seus precursores, o pai, o Truffaut (que explorou a reprise noutros moldes) traz referências filosóficas paradoxalmente profundas e leves (o paradoxo levita sempre, vive nas superfícies), como os seus filmes: Kierkegaard, Cavell. Precisamos de ar, de possível e o possível, segundo Kierkegaard (uma das referências literárias do filme é o texto de Kierkegaard "A repetição", traduzido, a meu ver melhor, em francês, por "La reprise") dá-se como re-prise, re-tomada, uma forma de repetição que não repete o mesmo, mas abre uma variação, um outro modo de existência. O possível é uma categoria estética, a categoria estética por excelência, segundo Deleuze. O filme diz-nos, e eu concordo absolutamente, que a questão "Pode o cinema fazer-nos melhores?" de Cavell,  pode ser lida à luz da repetição-reprise de Kierkegaard, no sentido em que o cinema abre possibilidades existenciais, coloca-as em cima da mesa (de montagem), dá-lhes uma possível concretização, apresenta uma via para o desempenho da vida, faz das possibilidades vias abertas da existência. "O possível, se não sufoco", de Anti-Climacus, em "Doença para a Morte": sem a possibilidade não é possível respirar. Preciso de ar, de ar, diz a canção argentina que canta Manuela em "La Reconquista".

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