Ele está à espera daquela mulher. Está sentado num banco, o corpo contido, como que meticulosamente atento ao espaço delimitado que ocupa (a circunscrição como gesto de humildade e devoção), quando ela passa pelo corredor do hospital. Chama-a. A voz baixa. Neste filme não se fala, segreda-se. Ela interrompe o passo, atenta. Ele fala-lhe do seu amor por ela. Mas talvez as palavras afectivas que ele lhe quer dizer, ela só as possa ouvir apanhando a boleia de um transporte, de um deslocamento hesitante que se exprime como que num tacteamento instintivo do espaço, parecido com aquele dos cães, quando procuram o lugar certo para se enroscarem, de um transe. Talvez procure um lugar feito à sua medida, onde possa devir outrem por força do desejo. Ele segue-a e ela sabe o que ele lhe vai dizer. É possível que ela seja honestamente sensível à sua confissão, procurando um lugar onde lhe dar atenção, talvez um banco corrido num alpendre, onde se possam sentar os dois, lado a lado, evitando o confronto face a face, com a serenidade do movimento e do som das folhas verdes das plantas a balançar ao vento. A mulher hesita e ele ajusta-se a esta hesitação dos gestos. Ela continua a caminhar numa espécie de procura indeterminada, num movimento centrífugo. Volta a parar, senta-se na pedra do monumento de um grande buda, mas volta a querer seguir, levantando-se, não tanto como se se sentisse desconfortável, mas como que ansiosa por chegar a algum lugar. A hesitação da mulher habita as margens de um desejo preciso. Ela não se sente bem em nenhum lugar porque sabe, ainda que esse saber não seja necessariamente racional, para onde se dirige. Atraída por alguma força magnética, atravessa um plano, fugindo do banco corrido, outro plano, deixando para trás o buda, caminha em direcção a uma mesa com bancos de pedra. Senta-se, mas desta vez não hesita, nem a câmara. Sentam-se os dois um face ao outro e o homem pergunta-lhe se ela está a tentar atormentá-lo, declarando-lhe o seu enamoramento e dor. "Alguma vez esteve apaixonada?", o homem baixa a cabeça, prostrado, a posição face a face que ela escolheu é demasiado violenta. Ela fita-o, mas rapidamente corta as suas palavras: "uma vez conheci um homem...", fugindo dali através de uma rememoração e levando-nos para outro lugar. Outro plano que passa por este plano, num reconhecimento atento de um lugar feliz, de um tempo petrificado que aquela mesa com bancos de pedra encerra e restitui. Na mesa com bancos de pedra tinha estado outrora sentada com o homem que conheceu no passado, esse jardineiro de orquídeas de quem talvez tivesse desejado ouvir as palavras que agora ouve. Um amor não correspondido. O presente é trespassado por um intenso conflito de forças que o rompe, instaurando uma interrupção da continuidade : o homem apaixonado implora-lhe que o deixe falar, confessar-se, a mulher, cortando com a imagem presente e forçando uma ligação deste presente a uma imagem do passado, confessa-lhe, como que num combate, o seu amor por esse outro homem de um tempo cristalizado em imagem, na mesa com bancos de pedra. E como que numa encenação feita de uma amálgama de passado e presente, talvez surja uma imagem capaz de restituir, ainda que só por um momento, um amor perdido, no preciso instante em que volta a perder-se.

                                

                               

















Syndromes and a Century [Apichatpong Weerasethakul, 2006]



































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